16.3.13

Eu já tive um jardim

Camila caminhava pelo morro da rua do Padre. Descia correndo as calçadas traçadas de grama e cimento. Esqueceu as chaves e se aborreceu pois teria de novo que gritar para que sua mãe abrisse o portão, mas poucos segundos apenas a incomodaram com isso.A chuva de agora pouco desenhava corredeiras em miniaturas pelos cantos da ladeira. Uma folha grande descia como uma canoa em cachoeiras. Talvez houvessem formigas fazendo papel de amantes de vida perigosa.
Queria ir até a padaria, e estava quase chegando. Mas uma visão a perturbou. Do outro lado da rua, deitada em um muro de chapisco, estava uma mulher. Roupas sujas, cabelo molhado e triste, lia um jornal que tinha servido de cobertor na madrugada, e agora estava molhado do temporal de antes. Decidiu sem perceber que atravessaria a rua. Se aproximou vagarosamente e perguntou à mulher se ela gostaria de um pão. Ainda terminando uma frase de uma reportagem, a mendiga finalmente deu atenção para a jovem, bem apessoada e perfumada logo pela manhã que se apresentava a sua frente. Sem responder a nada, confessou para a menina que seu nome era Rita.
Camila reiterou o pedido, e ouviu uma negativa.
Rita disse que, se tal bondade houvesse no coração que trouxesse uma dose dupla de café quente.
Sem esperar mais, Camila entrou na padaria e voltou com duas sacolas que levaria para casa, e um copo de café grande, saindo fumaça. Entregou para Rita.
A mulher agradeceu, e desejou bom dia para Camila.
Apesar da menção de sair, ela retornou e, não resistindo, perguntou a mulher porque ela estava alí, naquela situação. Rita interrompeu um belo gole de café e respondeu, com simpatia:
- Nem sempre estamos onde queremos, querida. Eu tinha família, um jardim e uma padaria para comprar pão. Mas também tive o poder da escolha, e as que fiz me trouxeram para essa calçada, ou para essas ruas, onde vivo já há três anos. Não vou perder meu tempo te explicando o que houve pois daqui a pouco recebo um pão com manteiga no bar da rua lá do alto, e muito menos desperdiçar o seu, você sequer ainda tem opções para escolher. Volte para sua casa, tome seu café e também tome as decisões certas.
Camila voltou para casa em passos rápidos, pois uma nova onda de chuva se anunciava. Não parou de pensar por nenhum segundo nas escolhas de Rita. E dali em diante, passou a prestar muito mais atenção nas suas. Percebeu que a vida nada mais é do que o resultado de decisões, e que isso formava, todos os dias, advogados, políticos e moradores de rua.

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